Os anos 90 foram intensos para a Capcom. Tendo descoberto uma mina de ouro com o sucesso de Street Fighter 2 e suas incontáveis versões revisadas, a empresa precisaria achar uma nova marca capaz de sustentar a maré positiva que vinha encontrando desde então, mas que havia recuado com o fim da segunda grande era dos arcades, preteridos em relação aos consoles domésticos, como o PlayStation. Assim, a proposta para contornar esse pensamento foi a produção de uma espécie de remake de outro título produzido pela própria Capcom em 1989, chamado Sweet Home. Embora tenha ficado restrito somente ao mercado japonês, o Sweet Home é considerado o marco zero dos jogos de survival horror. Inspirado pelo filme japonês homônimo — isso mesmo, Sweet Home é um “jogo de filme”, embora tenha pouco a ver com a história do dito cujo —, ele ficou a cargo de Tokuro Fujiwara, o responsável por Ghosts ‘n Goblins, outra IP de sucesso da empresa. Na prática, o que o título ofereceu foi a definição de todo um gênero e como ele se relaciona com sua jogabilidade ao trazer elementos de puzzles e uma construção de ambientações coesa o suficiente para que a experiência oferecida seja suficientemente imersiva. Assim, Resident Evil — conhecido no Japão como Biohazard — surgiu como uma tentativa de revitalizar esse sucesso alcançado por Sweet Home, tendo Fujiwara na produção e um então novato Shinji Mikami na direção, se inspirando primariamente não só no jogo de horror produzido pela própria Capcom, mas também em outros clássicos do cinema de baixo orçamento, como os produzidos por George Romero e Sam Raimi. O primeiro título se tornou um sucesso e consolidou a marca, que logo foi produzindo sequências dignas nos jogos e expandindo seu universo para outras mídias, algumas com material relevante, como os filmes em computação gráfica e alguns quadrinhos, e outras nem tanto, como os famigerados live actions. Atendo-se somente às origens, vamos conhecer em detalhes cada um dos principais jogos da série e o que faz cada um deles ser tão especial ou simplesmente motivo de desprezo por parte dos fãs da franquia. Ao todo, dez jogos principais de Resident Evil foram produzidos pela Capcom desde seu primeiro título, em 1996, sete deles numerados de forma explícita (do primeiro ao sexto, além do zero), dois de forma implícita (Resident Evil Biohazard e Village, cujos próprios nomes trazem letras em algoritmos romanos que se fazem de números sete e oito) e, por fim um último game isolado chamado Resident Evil Code: Veronica, que se encaixa na série principal isoladamente. Confira mais a respeito de cada um.
Resident Evil (1996)
A história básica do primeiro Resident Evil gira em torno de Chris Redfield e Jill Valentine, membros da equipe Alpha da S.T.A.R.S., a força policial de Raccoon City, em sua busca pela desaparecida equipe Bravo, mas que acabam tendo que se refugiar na misteriosa mansão Spencer. Lá dentro, eles logo descobrem que aquela propriedade abandonada era um dos palcos das atividades ilícitas conduzidas pela farmacêutica Umbrella Corporation. Sendo possível escolher entre os dois protagonistas que levam a finais levemente distintos, o primeiro jogo trazia uma ambientação de câmera fixa em que o jogador precisava percorrer os cenários enquanto desvendava os segredos da mansão e tinha que lidar com suprimentos limitados de itens, como munição e cura. O título original também sabia utilizar o hardware que tinha em mãos, entendendo suas limitações e encontrando boas soluções, como é o caso da famigerada animação da porta abrindo que servia para esconder os tempos de carregamento do disco, bem como os cenários que, na verdade, eram bidimensionais, mas criavam a sensação de profundidade com maestria quando percorridos pelos modelos 3D dos personagens controláveis. O sucesso quase imediato do jogo levou a Capcom a portá-lo para outras plataformas, como o Saturn, PC e até mesmo, anos depois, para o Nintendo DS, sendo que cada uma dessas edições trazia suas próprias peculiaridades. Embora pouco falada, uma edição portátil desenvolvida exclusivamente para o Game Boy Color quase teve seu lançamento marcado, mas logo foi descartada. Embora arquivada pela Capcom, a ROM do título em questão chegou a cair na internet em 2012. Por fim, apesar de ser um clássico que marcou sua geração, é muito importante lembrar que o primeiro jogo da série recebeu um remake. Lançado em 2002 para o Gamecube, tal edição é amplamente considerada a definitiva para a experiência de Resident Evil, tornando o jogo original datado e digno de ser conferido mais pelo valor histórico que representa.
Resident Evil 2 (1998)
Depois de algumas tentativas de dar sequência ao Resident Evil original — como é o caso dos cancelados Resident Evil 1.5 e Resident Evil Dash — o segundo título chegou para aprimorar tudo o que o primeiro tinha trazido de inovador. Isso se aplica da questão gráfica à ousadia do roteiro, passando por quebra-cabeças mais complexos, uma variedade considerável de novos inimigos e armas, conteúdo secreto desbloqueável e momentos de suspense e terror mais intensos. Aqui, a história se passa meses após os acontecimentos da mansão Spencer e, no papel de Leon Kennedy e Claire Redfield, o jogador acaba se envolvendo em um enredo em que precisa enfrentar o novo G-Virus e seu criador, William Birkin, enquanto acompanha a busca de Claire por seu irmão Chris e tenta escapar da condenada Raccoon City. Como logo se tornaria costume na franquia, Resident Evil 2 não ficou restrito ao PlayStation, lançado também para o PC logo depois. O Nintendo 64 também recebeu uma edição exclusiva com características próprias devido ao hardware diferenciado, trazendo suporte à alavanca analógica e realizando a façanha milagrosa de encaixar as cutscenes pré-renderizadas dentro do cartucho de capacidade reduzida em comparação aos CDs, além da possibilidade de ajustar o grau de violência e um sistema que traz aleatoriedade aos itens encontrados em cada nova campanha. Depois de chegar ao Dreamcast também, a versão do Gamecube, lançada em 2003, foi recebida de forma negativa por ser lançada sem ajustes ou trabalho de refinamento, se mostrando visivelmente ultrapassada, ainda mais se colocada ao lado do remake do primeiro Resident Evil e de Resident Evil 0. Naquele período, chegou a ser considerada a produção de um remake de Resident Evil 2, mas ela foi deixada de lado em detrimento de Resident Evil 4. O projeto só foi desarquivado para ser lançado anos depois, em 2019.
Resident Evil 3: Nemesis (1999)
O vilão Nemesis foi o pesadelo de muitos dos jovens que tiveram o prazer de jogar o terceiro título da saga quando ele foi lançado em 1999. Estrelado apenas por Jill Valentine, Resident Evil 3 se passa paralelamente aos acontecimentos de Resident Evil 2. Isto é, durante o caos de Raccoon City momentos antes de ser varrida do mapa por conta da explosão nuclear ordenada no intuito de conter a epidemia de T-Virus que se alastrava pela cidade. O terceiro título da série também foi o primeiro a flertar com elementos de ação implementados em sua jogabilidade básica, sendo que seu principal diferencial era o dos finais alternativos que bifurcavam a continuidade do enredo geral da série. Outra possibilidade é a forma alternativa com que o jogador poderia lidar com o antagonista Nemesis, sendo possível (nos momentos certos) prosseguir na trama ao derrotá-lo ou simplesmente evitá-lo. Produzido tendo o PlayStation original como plataforma, Resident Evil 3 recebeu versões para o Dreamcast e PC entre 2000 e 2001. Assim como Resident Evil 2, em 2003 foi a vez do Gamecube, cujo port foi recebido negativamente por ser considerado ultrapassado diante dos sucessos alcançados pelo remake do primeiro Resident Evil e por Resident Evil 0, que já tinham chegado à plataforma no ano anterior.
Resident Evil Code: Veronica (2000)
Embora não seja uma entrada numerada, os seus acontecimentos a tornam tão importante quanto os principais no que diz respeito a oferecer uma experiência completa para com a história da franquia. Passando-se três meses após os acontecimentos do segundo e do terceiro jogo, Resident Evil Code: Veronica dá prosseguimento à jornada de Claire na busca por seu irmão, Chris. Desenvolvido para o Dreamcast, o título se aproveitou de um hardware levemente mais potente para oferecer uma campanha maior e ambientes 100% tridimensionais, ao contrário dos cenários de bidimensionais dos antecessores. Isso permitiu que a câmera, embora ainda fixa, pudesse brincar com ângulos mais complexos no intuito de aprimorar a atmosfera de horror de sobrevivência tão característica da propriedade intelectual. Adicionalmente, dois personagens podem ser controlados, trazendo perspectivas diferentes a respeito dos acontecimentos. Em porções diferentes do game, o jogador controla não só Claire, mas Chris também, com dois pontos de vista distintos sobre a invasão realizada nas dependências da Umbrella no ártico. Também é em Code: Veronica que acontece a revelação de que Albert Wesker está vivo, mesmo após sido dado como morto nos acontecimentos da mansão Spencer. Uma versão de PlayStation 2 chegou ao mercado como Code: Veronica X, além de um port para Gamecube em 2003, cuja repercussão, a essa altura do campeonato, nem precisa ser comentada novamente, né? As versões de PlayStation 3 e Xbox 360 de Code: Veronica são as mais acessíveis de serem jogadas hoje em dia, uma vez que o título não conta com port para PC. No PS3, é possível jogá-lo digitalmente tanto em versão emulada através do selo PS2 Classics quanto em uma edição nativa remasterizada (e disponível no PlayStation Plus Premium). No caso do Xbox 360, por sua vez, existe o suporte para Xbox One através da retrocompatibilidade.
Resident Evil Zero (2002)
Depois de fechar a trilogia original com o bombardeio sobre Racoon City, a série decidiu voltar um pouco no passado e trazer, com Resident Evil Zero, a história de como a policial Rebecca Chambers e o presidiário Billy Coen tiveram que fugir de um trem descarrilhado e acabaram se metendo nas instalações da Umbrella Corporation. A ideia de fazer um prólogo para os acontecimentos da Mansão Spencer remonta desde o desenvolvimento do primeiro game. Visando o famigerado Nintendo 64DD como plataforma, o título teve que ser retrabalhado para se adequar à realidade do GameCube. Uma das principais ideias de design elaboradas logo de início era a possibilidade de contar com dois protagonistas diferentes e alterná-los no intuito de resolver os quebra-cabeças dos cenários. Nota-se também que, durante a produção, houve um esforço em diminuir ao máximo os itens que facilitam o progresso no intuito de torna-lo mais próximo ao Sweet Home, que deu origem à franquia. Ficando por muito tempo restrito a consoles da Nintendo — primeiro ao Gamecube em 2002, depois ao Wii em 2008 — o título só foi se libertar de suas amarras e se tornar acessível a um público mais amplo em 2016, quando saiu para PC e demais plataformas como o PlayStation 3, PlayStation 4, Xbox 360 e Xbox One.
Resident Evil 4 (2005)
Tendo o primeiro “arco” de história sendo finalizado com o terceiro título, Nemesis, Resident Evil 4 é a primeira reformulação prática pela qual a série passa, expandindo a mitologia para além de Raccoon City. No caso, Resident Evil 4 traz novamente Leon S. Kennedy como protagonista, agora agente do governo, em sua missão de resgatar Ashley Graham, filha do presidente dos Estados Unidos. A garota foi sequestrada por um culto misterioso conhecido como Los Iluminados e infectado com um parasita conhecido como Las Plagas. Como era de se esperar, o parasita em questão é o responsável pela infestação zumbi que assola a região da Espanha onde o jogo se passa. Ao contrário dos jogos anteriores, de perspectiva fixa, a ação agora acompanha o protagonista Leon na tela, com a câmera sobre seu ombro, especialmente útil ao vasculhar os cenários mais abertos que compõem a campanha do game. Como consequência disso, o time de desenvolvimento observou uma brecha para interações mais diversas, como a possibilidade de trazer mais zumbis em uma única tela, bem como a possibilidade de realizar ações diversas dependendo do contexto, por quicktime events. Resident Evil 4 é bastante divisivo no que diz respeito à sua recepção. Embora alguns fãs mais puristas tenham criticado os novos rumos da franquia, que apresentava agora menos elementos de mistério e suspense em detrimento de sequências de ação e horror gráfico, a imprensa e a outra parcela de jogadores encararam a experiência positivamente, acreditando que a série atingiu seu ápice ao desistir de certos sistemas limitantes, como o de câmera fixa, e encara este quarto título numerado como um dos melhores jogos de Resident Evil. Uma curiosidade é que o quarto jogo da série foi um dos chamados Capcom Five, uma espécie de parceria entre a Capcom e a Nintendo cujo intuito era a produção de software que alavancasse as vendas do Gamecube na época — ao lado de Viewtiful Joey, killer7, P.N. 03 e o cancelado Dead Phoenix. Com exceção do mais questionável deles, P.N. 03, todos receberam versões para outras plataformas com o tempo. Resident Evil 4 foi o mais relançado dentre eles, sendo possível jogá-lo até mesmo em aparelhos como Zeebo e, mais recentemente, Oculus Quest 2 (em uma edição especial em realidade virtual).
Resident Evil 5 (2009)
Aparentemente, parece que a Capcom gostou dessa ideia de fazer jogos voltados para a ação e acabou perdendo a mão durante a produção de Resident Evil 5. Protagonizado por Chris Redfield, Resident Evil 5 marca a abdicação do survival horror feita pela série por se sustentar demais na nova percepção do ocidente à época no que diz respeito à moda do “apocalipse zumbi” que crescia naquele momento, com sustos e terror psicológico dando lugar a armas, correria, ação e mais armas. Além disso, enquanto Resident Evil 4 trouxe uma nova visão aos shooters em sua época, a jogabilidade prática do quinto game foi burocrática ao máximo, inclusive ao apresentar falhas constantes na inteligência artificial tanto dos inimigos quanto da aliada Sheva Alomar — que insistia em gastar recursos limitados como as ervas de cura e munição, como se ela não bastasse a se resumir a estereótipos negativos, tanto raciais quanto de gênero. Em relação à história, enquanto Leon se tornou agente do serviço secreto americano, Chris Redfield, por sua vez, se tornou um agente da BSAA, a Aliança de Avaliação de Segurança Bioterrorista, e é despachado com Sheva até o vilarejo de Kijuju, na África, para interceptar uma negociação ilegal de uma nova arma bio-orgânica. Como era de se esperar, entretanto, a dupla descobre que o local inteiro já estava empesteado com o Las Plagas, além de Chris deduzir que Jill Valentine, considerada morta até então, talvez pudesse estar viva.
Resident Evil 6 (2012)
Há certa controvérsia se o pior título da saga é o quinto ou o sexto. Sem aprender com os erros do antecessor, Resident Evil 6 se mostrou um produto sem alma logo de cara. Estruturalmente, é um título perdido em muitas campanhas diferentes, sendo que nenhuma delas apresenta um grau suficiente de profundidade que faça jus aos jogos numerados da franquia. Seguir a onda dos shooters cinzentos que na época estavam em seu auge acabou tendo implicações bastante negativas no desenvolvimento deste sexto game, uma vez que toda a jogabilidade chegou a ser simplificada, provavelmente no intuito de atingir um público diferente daquele já consolidado pela franquia. Ademais, logo se percebe o quão fora de tom Resident Evil 6 estava ao trazer modos de jogo distintos com enfoque em multiplayer local e uma tentativa de colaboração, no PC, com Left 4 Dead, outro game de zumbi, mas com uma pegada completamente discrepante em relação ao que a série da Capcom representava.
Resident Evil 7: Biohazard (2017)
Embora os últimos jogos tenham vendido bem e recebido uma recepção positiva por parte da imprensa, eles logo foram rechaçados pelos fãs, que ansiavam por uma experiência mais tradicional para a franquia. Desta forma, a Capcom retornou à mesa de projetos e concebeu Biohazard. Recorrendo a inspirações mais clássicas no horror, como o filme A Morte do Demônio (The Evil Dead, no original), o título passou uma parte de seu período promocional sendo conhecido apenas como “KI7CHEN” e como uma experiência primariamente voltada para a realidade virtual antes de ser oficializado como o sétimo jogo da série Resident Evil. Enfatizando a exploração e agora trazendo uma visão em primeira pessoa, Biohazard coloca o jogador na pele do civil Ethan Winters em sua busca por sua esposa Mia. Remontando traços do primeiro game, que recuperava maior parte da campanha dentro da mansão, Resident Evil 7 isola o jogador primariamente em um único cenário: a casa abandonada da família Baker, resgatando a essência da franquia de horror de sobrevivência à essência do gênero.
Resident Evil Village (2021)
Resident Evil Village — com as primeiras letras bastonadas da palavra Village se assemelhando a um oito em numeração romana — traz o protagonista Ethan Winters de volta em uma trama diferenciada que envolve mutações que vão além dos zumbis, como é o caso dos Lycans, que se assemelham a lobisomens. O personagem, então, acorda repentinamente sozinho em um vilarejo controlado por quatro terríveis lordes mutantes. Resident Evil Village foi um dos jogos da série mais bem recebidos em muito tempo, superando inclusive seu antecessor direto. Aprimorando o sistema de combate em primeira pessoa e trazendo uma narrativa envolvente e digna da história de Resident Evil, o título foi visto como uma evolução natural da série, que, depois de uma fase desacreditada, voltou a apresentar o padrão de qualidade pela qual é normalmente reconhecida. De uma forma direta, a resposta a essa pergunta é sim. Produzidos com anos de distanciamento das versões originais, é válido considerar que a maior parte dos remakes da série mais trabalham para aprimorar a experiência oferecida — trazendo os melhores jogos de Resident Evil em suas respectivas iterações — do que como substitutos indignos da marca que representam. Ainda assim, cada um desses remakes merece suas próprias observações.
Resident Evil (2002)
O remake original do primeiro Resident Evil também foi parte de um pacto da Capcom com a Nintendo que não era o supracitado Capcom Five, mas sim outro acordo que visava fazer o Gamecube como a principal plataforma para se jogar a franquia, algo que, de certa forma, acabou permanecendo por um bom tempo. Também conhecido como REmake, essa edição de 2002 logo se consolidou como a versão definitiva para o primeiro jogo da franquia por trazer uma experiência mais complexa proporcionada por um hardware mais potente, o que resultou em gráficos mais detalhados, na criação de uma atmosfera mais densa e na implementação de sistemas mais complexos para o título. Nota-se que o mesmo motor de jogo também serviu de base para a produção de Resident Evil 0, lançado no mesmo ano. Inclusive, ele passou pelo mesmo problema e ficou por muito tempo restrito ao Gamecube e ao Wii antes de chegar para demais plataformas em 2015.
Resident Evil 2 (2019)
Dezesseis anos após o remake do primeiro Resident Evil, a Capcom finalmente decidiu dar continuidade ao processo e produzir a reimaginação do segundo título. Embora considerado logo após o lançamento de seu antecessor direto, o seu desenvolvimento ficou por muito tempo arquivado porque entraria em conflito com a produção de Resident Evil 4. Ao contrário do original, com câmera fixa, o remake de Resident Evil 2 foi produzido com um game design mais próximo ao do quarto jogo da série, trazendo a ação sobre os ombros dos protagonistas, mas ainda tentando se apegar ao sentimento de horror de sobrevivência tão característico da franquia — e cuja ausência em determinados momentos pegou realmente mal na percepção do público. Efetivamente, é um jogo completamente novo e diferenciado, modernizando um clássico de forma digna.
Resident Evil 3 (2020)
Com o sucesso do remake de Resident Evil 2, bem como a facilidade de ter um motor de jogo praticamente pronto, o lançamento de um remake de Resident Evil 3 parecia inevitável. Assim, um ano depois, ele acabou acontecendo. Embora ainda considerado uma recriação positiva, ele se apresenta como o “menos definitivo” — se é que pode se chamar assim — dos três já lançados até aqui, visto que ele abdicou de algumas filosofias de design do original, cortando algumas sequências da campanha que já era enxuta em 1999, bem como eliminando os finais alternativos com a justificativa de afunilar a linha cronológica dos acontecimentos da série.
Resident Evil 4 (2023)
É engraçado pensar no paradoxo que é saber pouquíssimas informações sobre o remake de Resident Evil 4, mas, ao mesmo tempo, ter completa noção de que ele provavelmente seguirá no mesmo rumo de seus antecessores diretos. Além disso, visando contornar o criticismo que recebeu na época, esta nova versão promete trazer uma atmosfera ainda mais soturna, com mais elementos de terror que a original abdicou em prol de uma jogabilidade mais orientada à ação. Anunciado no State of Play de junho de 2022, o título tem previsão para chegar ao PlayStation 5, Xbox Series e PC em março do próximo ano. Com o sucesso crescente, vários spin-offs importantes foram produzidos como uma forma de aproveitar o rendimento da franquia. Embora a maioria dos casos tenha funcionado mais como caça-níqueis do que como entradas capazes de expandir o universo da série, outros ainda se mostram importantes nesse quesito.
Resident Evil Chronicles HD Collection
A dobradinha composta por Resident Evil: The Umbrella Chronicles e Resident Evil: The Darkside Chronicles, por exemplo, consegue realizar a façanha de trazer, ao mesmo tempo, uma jogabilidade diferenciada e informações adicionais relevantes para a mitologia da série. Assim, os dois jogos ora recontam os acontecimentos dos três primeiros jogos, ora trazem novas informações complementares em situações inéditas que preenchem lacunas em certos momentos da linha do tempo da propriedade intelectual. Individualmente, The Umbrella Chronicles revive os acontecimentos de Resident Evil 0, Resident Evil e Resident Evil 3: Nemesis; o último cenário apresentado, protagonizado por Jill Valentine e Chris Redfield, traz um excerto inédito de uma operação de invasão em uma base da Umbrella na Rússia. The Darkside Chronicles, por sua vez, cobre outros dois games clássicos da franquia: Resident Evil 2 e Code: Veronica. Os cenários inéditos do game trazem Leon S. Kennedy como protagonista ao lado de Jack Krauser, velho conhecido dos jogadores de Resident Evil 4, em uma missão na América do Sul que se passa após os acontecimentos do segundo game da série. Originalmente. ambos os títulos foram lançados para o Wii e seguem o formato de shooter on rails (bastante similar ao concorrente House of the Dead), mas em 2012 eles chegaram em conjunto ao PlayStation 3 compondo o pacote conhecido como Resident Evil Chronicles HD Collection.
Resident Evil Revelations
Novamente, trata-se de uma minissérie spin-off em dois títulos. O primeiro Resident Evil: Revelations se situa especificamente entre o quarto e quinto jogo da série, traz a interessante circunstância de se passar em um navio fantasma e, tratando-se de uma ambientação fechada e de tom soturno, este spin-off realiza a façanha de resgatar as origens da franquia. Essa retomada serve como uma espécie de respiro, pois acontece em um momento em que a marca não estava se encontrando em seus principais aspectos de jogabilidade. Assim, Revelations dá preferência ao gerenciamento de recursos em detrimento do gameplay voltado à ação, mas com o revés de apresentar uma estrutura episódica, o que impede que o jogador ditasse o ritmo da narrativa. Além disso, os infectados comuns por T-Vírus também deram lugar aos monstrengos Ooze, também produtos das experiências da Umbrella. Embora este primeiro título tenha sido lançado originalmente para o Nintendo 3DS, competentíssimas versões em alta definição chegaram para os consoles logo depois. Resident Evil Revelations 2, por sua vez, se situa entre Resident Evil 5 e 6 e traz uma estrutura bastante diferente por se tratar de um jogo episódico em seu lançamento, com os quatro capítulos chegando semanalmente ao mercado entre o final de fevereiro de 2015 até meados de março do mesmo ano. Protagonizado por Claire e Barry Burton, o título permitia tanto o multiplayer co-op quanto a alternância pontual entre os personagens (no modo single player) no intuito de possibilitar a resolução dos quebra-cabeças.
Demais spin-offs de Resident Evil
Há ainda alguns outros spin-offs dentro do universo da franquia, mas a maior parte deles é bastante irrelevante para o entendimento da mitologia da série ou sequer são minimamente divertidos para serem considerados dignos de um olhar mais atento. Nota-se que a maior parte deles são tentativas frustradas de elevar a marca a experiências de multiplayer on-line, como é o caso de Resident Evil: Operation Raccoon City, de 2012, que traz um cenário hipotético do ponto de vista de mercenários da Umbrella durante o caos da epidemia de T-Vírus na cidade. Anos mais tarde, em 2016, a Capcom insistia nessa ideia de multiplayer ao tentar, mais uma vez, surfar no sucesso de Left 4 Dead. Isso gerou Resident Evil: Umbrella Corps, que mais uma vez descaracterizava a série em prol da tentativa de utilizar apenas o nome da marca para emplacar um novo produto. Uma terceira tentativa veio em 2020 com Resident Evil: Resistance, que agora assumia a estrutura de multiplayer assimétrico. Novamente, mais um jogo que ninguém ligou, mas que ao menos veio gratuitamente no pacote do Resident Evil 3 como um pedido de desculpas pelo pouco conteúdo no remake em questão. A primeira tentativa factual, contudo, de inserir o multiplayer on-line em Resident Evil veio com a subsérie Outbreak, em 2004. Aparecendo talvez até a frente de seu tempo — ele contava com os recursos de rede no PlayStation 2 quando poucos softwares o faziam — o jogador precisava completar vários cenários diferentes em uma Raccoon City tomada pelos zumbis. Outbreak chegou ainda a receber uma sequência no ano seguinte. Resident Evil: The Mercenaries 3D foi mais um spin-off lançado para o 3DS e que trouxe, em um pacote próprio, uma versão retrabalhada dos minigames que deram origem ao jogo em questão presentes em Resident Evil 4 e 5. Novamente, não há nada importante para a mitologia da série para se considerar aqui. Ah, lembra daquela tentativa de portar o primeiro jogo da série para o Game Boy? Pois então, aquela ideia ter sido descartada não impediu que um Resident Evil próprio para a plataforma fosse produzido à época. Trazendo recursos limitados por conta do hardware mais fraco, Resident Evil Gaiden traz informações de história conflitantes com a mitologia da série principal e, portanto, é desconsiderado dentro do cânone amplo. Por fim, anos antes da série Chronicles, Resident Evil recebeu alguns títulos para light gun, sendo eles Resident Evil Survivor, lançado para o PlayStation em 2000 e para o PC dois anos depois; Resident Evil Survivor 2 — Code: Veronica, de 2001, que como o nome sugere, adapta o título homônimo à jogabilidade do primeiro Survivor e chegou tanto para arcades quanto para o PlayStation 2; e Resident Evil: Dead Aim, de 2003 e lançado também para o PlayStation 2. Considerando que Resident Evil é uma série que passou por várias reinvenções, não é uma tarefa fácil determinar com exatidão qual seria o melhor ponto de início para um novato decidir se entranhar na mitologia da série. Entretanto, alguns jogos contam com algumas características que servem como sinais de que eles foram concebidos já com o intuito de trazer uma nova leva de jogadores. Desta forma, o primeiro jogo que consideraremos como um bom ponto de entrada é o Resident Evil Remake, de 2002, que foi intensivamente portado e remasterizado para outras plataformas. Tendo melhorado o original em vários aspectos ao ponto de tornar o título quase atemporal, o chamado Remake é a edição definitiva do primeiro título da série e a principal porta de entrada para entender “onde tudo começou” em seu vasto universo. Ainda, embora Resident Evil 0 se passe antes dos acontecimentos do primeiro jogo, o aproveitamento fora da ordem cronológica é mais interessante justamente para que o jogador consiga pescar várias das referências trazidas e, assim, tornar a experiência mais completa. Outro ponto de entrada a se considerar é Resident Evil 4. A aventura protagonizada por Leon S. Kennedy foi responsável por revitalizar a marca para um tom mais moderno e mais dinâmico, trazendo um pouco mais de ação que a modernidade da indústria exigia, mas ainda mantendo o tom sombrio e assustador tão característico da franquia. Além disso, ele ajudou a consolidar várias características que se tornaram padrão para os shooters que vieram depois, como é o caso da perspectiva de câmera sobre os ombros do personagem principal, influenciando nomes como Alan Wake, Dead Space ou mesmo The Last of Us. Por fim, o terceiro ponto de entrada possível para Resident Evil é aquele que apresenta o jogador direto aos seus rumos atuais, com Resident Evil: Biohazard, o sétimo título “numerado” da franquia. Trocando a perspectiva em terceira pessoa pela visão em primeira, em Biohazard somos apresentados a Ethan Winters, o novo herói que representa a nova atmosfera da série, que visa voltar às suas origens de horror de sobrevivência.