E como se já não bastassem os transtornos enfrentados para decolar nas últimas semanas, alguns passageiros ainda precisam lidar com bloqueios e extravios de bagagens, problemas que se tornaram comuns em meio a toda essa baderna, graças às falhas envolvendo os sistemas de devolução e também devido à falta de funcionários. Mas o que explica o caos aéreo na Europa? Quais são as chances do problema chegar ao Brasil? Trouxemos as respostas dessas e outras perguntas nessa matéria especial sobre o assunto.
A situação atual na Europa
A Europa teve mais que o dobro dos cancelamentos de companhias aéreas americanas entre abril e junho, segundo dados da empresa de rastreamento de voos RadarBox.com. Os voos suspensos em junho – o início da alta temporada de verão na Europa – totalizaram 7.870 para partidas da Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha, quase o triplo do número no mesmo período de 2019, diz a consultoria de aviação Cirium. Entre os países mais afetados pela crise aérea na Europa estão a Bélgica, Espanha, França, Itália, Portugal, Alemanha e Holanda. Apesar do problema estar concentrado no continente europeu, outros países que possuem rotas para a região também sofrem com cancelamentos e adiamentos de voos, a exemplo dos Estados Unidos da América e Inglaterra. Fato é que as longas filas já se tornaram comuns nos aeroportos de toda a Europa e as histórias desagradáveis são inúmeras – cancelamentos de última hora, mesmo após os passageiros já terem passado pela segurança, bagagem perdida, atrasos de cinco, seis e até sete horas, filas de horas na segurança e postos de controle alfandegários – e, para piorar tudo, ninguém para pedir ajuda nos balcões das companhias aéreas.
O caos em cada país
Olhando mais de perto para cada país, a situação se torna ainda mais preocupante. No caso de Portugal, por exemplo, brasileiros que tentam sair do país relatam espera de até quatro dias. No último final de semana, mais de 100 voos foram cancelados; na segunda-feira (4), foram 30; nesta terça-feira (5), a ANA (Aeroportos e Navegação Aérea de Portugal) informou que os cancelamentos atingiram 32 voos. Na Espanha, 15 voos foram cancelados no último sábado e mais 175 foram adiados somente no aeroporto de Madri. Além disso, funcionários da Ryanair — companhia aérea de baixo custo irlandesa com base em Dublin —, anunciaram greve que deve se estender até 14 de julho. No caso da tripulação da companhia low cost EasyJet, uma paralisação também foi atribuída aos finais de semana de julho. Na Bélgica, uma das principais companhias aéreas do país, a Brussels Airlines, vive também momentos conturbados. Isso porque, no final de junho, funcionários da empresa pararam por cerca de três dias, o que afetou 60% dos voos da empresa. O resultado? Prejuízo de mais de € 10 milhões. Para completar, na segunda-feira, a companhia anunciou o cancelamento de cerca de 700 voos nos meses de julho e agosto. No caso da britânica British Airways a situação não é muito diferente. No início de julho, 700 funcionários da companhia aérea decidiram cruzar os braços no aeroporto de Heathrow, em Londres. O motivo é a insatisfação com um corte salarial de 10% imposto durante a pandemia que perdura até os dias atuais. O aeroporto de Londres é um dos mais movimentados do mundo. Em março, 4.2 milhões de passageiros passaram por lá, maior número desde o início da pandemia. Ja na França, trabalhadores do aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, também resolveram iniciar uma paralisação que durou os quatro primeiros dias do mês de julho. Reivindicando reajustes salariais, os grevistas causaram o cancelamento de 20% dos voos do terminal durante o período.
O que explica o caos aéreo na Europa?
Existem várias razões para o caos vivenciados por passageiros nos terminais europeus. No entanto, a pandemia é a raiz central de todo o problema — ou de grande parte dele. Isso porque, durante o lockdown, muitas companhias aéreas, operadores de aeroportos e outras empresas do setor de viagens demitiram trabalhadores, pois seus negócios pararam. Muitos desses trabalhadores procuraram oportunidades em outros lugares e não retornaram ao setor, enquanto outros foram empurrados para a aposentadoria precoce. O problema é que, com o reaquecimento da economia e pessoas retornando aos aeroportos, esses funcionários desligados passaram a fazer falta na operação dos terminais. Consequentemente, todo o processo operacional ficou comprometido por não haver funcionários suficientes. “O ritmo com que os passageiros voltaram aos céus desde a primavera pegou um pouco de surpresa as companhias aéreas e os aeroportos também. Eles simplesmente não têm a equipe agora que precisariam para um verão completo”, disse Alexander Irving, analista de transporte europeu da AB Bernstein, à CNBC na semana passada. Nesta altura do campeonato, você deve estar se perguntando: “Mas não é somente contratar novos funcionários?”. A resposta é sim e não. A contratação de pessoal novo é uma solução de médio a longo prazo, pois em muitos trabalhos relacionados a viagens há treinamento obrigatório antes que os trabalhadores possam iniciar seus trabalhos. Com isso, funcionários não começam a trabalhar da noite para o dia. Além da alta demanda do verão e do déficit de funcionários, outro problema que vem afetando ainda mais a operação nos aeroportos são as greves de funcionários. Isso ocorre porque muitos dos que permaneceram no setor não se sentem suficientemente compensados e queixam-se das suas condições de trabalho. Entre as principais reclamações estão o excesso de carga horária e de demandas, além de baixa remuneração proveniente dos cortes que ocorreram durante os últimos dois anos. O problema ainda é agravado por resquícios da pandemia. “A inflação de custos, principalmente combustíveis e salários, está agravando a situação e tornando um ambiente operacional realmente difícil, que está pesando na lucratividade”, conta Roger Jones, chefe de ações da London & Capital, à CNBC. A guerra na Ucrânia também favorece o agravamento da situação, já que com um espaço aéreo mais restrito, as companhias aéreas precisam criar logísticas e rotas especiais, o que consome ainda mais recurso financeiro. De acordo com a Lufthansa, a guerra está levando ainda a enormes gargalos nos céus e, portanto, a mais atrasos nos voos. Com os cancelamentos e atrasos diários de tantos voos, surgem também profundas perdas financeiras para aeroportos e companhias aéreas. Os viajantes têm de ser compensados pelas transportadoras que não os entregam aos seus destinos dentro de uma janela de tempo específica, enquanto os sindicatos pressionam por melhores salários e condições de trabalho.
Procurando soluções para a crise aérea na Europa
Alguns governos vêm anunciando medidas especiais para ajudar com as interrupções. A Alemanha, por exemplo, planeja importar trabalhadores do exterior, principalmente da Turquia, para que eles preencham rapidamente os aeroportos e ajudem no manuseio de bagagens e procedimentos de segurança, segundo os ministros alemães dos Transportes, Trabalho e Interior. O governo irlandês, por outro lado, planeja enviar o exército para ajudar na segurança no aeroporto de Dublin, caso ocorram mais interrupções. Já o governo britânico disse que está ajudando a “colocar novos funcionários no setor de aviação rapidamente sem comprometer a segurança, acelerando as verificações de segurança nacional para novos recrutas de aviação”. Na Espanha, a polícia está contratando mais funcionários em alguns dos aeroportos mais movimentados do país e Portugal também está aumentando seu pessoal de controle de fronteiras. Além disso, alguns aeroportos estão limitando o número de passageiros que usam os terminais diariamente, uma tentativa de evitar transtornos nos saguões de embarque.
Crise aérea pode atingir o Brasil?
Somente no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, há pelo menos cem voos com destinos à Europa. Então, é provável que os viajantes possam enfrentar certas dificuldades para realizar o embarque aqui no Brasil. No entanto, essa crise não deve atingir o país de forma mais aguda. Isso porque, segundo o presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), Henrique Hacklaender, a sobrecarga na demanda e falta de tripulação não é um problema para o nosso mercado. “A gente tem uma margem de tripulantes no mercado prontos para assumir qualquer demanda crescente, por causa do fechamento da Avianca e da Itapemirim. E as empresas brasileiras ainda não atingiram o mesmo nível de demanda que tinham antes da pandemia”. De acordo com os dados compartilhados pelo diretor de segurança e operações de voo da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), Ruy Amparo, em julho, as decolagens de voos domésticos devem atingir 90% do patamar do mesmo período em 2019. Já nos voos internacionais, a demanda ainda está baixa: o patamar ainda está em 59%, porque as restrições sanitárias diferentes para cada país atrasaram a retomada das operações. Além disso, por aqui, o setor é mais aquecido no final do ano, durante o período de festas e as férias de verão. “As vendas para esse período começam entre agosto e setembro, então as empresas têm tempo de se preparar”, diz Ruy.
Normalização na Europa
Especialistas da área acreditam que a situação no continente europeu não deve normalizar tão cedo. Para eles, apesar das tentativas dos governos dos países em adotar medidas para diminuir os impactos no turismo, tudo isso seria apenas paliativo e não resolveria o problema de forma definitiva. Ao que tudo indica, os atrasos e cancelamentos irão perdurar por mais alguns meses. A expectativa é a mesma para as companhias aéreas. Em uma recente carta aberta aos seus clientes, o Grupo Lufthansa pediu desculpas pelo grande número de cancelamentos de voos e observa que é improvável que a situação melhore no curto prazo. Admitindo que “muitos funcionários, bem como recursos, estão atualmente indisponíveis, não apenas na Lufthansa”, a companhia aérea prevê um futuro terrível que provavelmente não melhorará antes do inverno chegar. Veja também: Você já imaginou um hotel-avião capaz de ficar anos sem pousar, podendo acomodar até 5 mil hóspedes? Essa é a ideia por trás do Sky Cruise, que contará ainda com piscinas, restaurantes, teatros e até mesmo um shopping center! Fontes: CNBC, Forbes, DW.