A História do Oscar
Durante a expansão do cinema americano principalmente nos anos de 1920, foi visto a necessidade de criar um sindicato que defendesse os interesses dos artistas. Então, Louis B. Mayer, um dos chefes da Metro-Goldwyn-Mayer (empresa norte-americana de produção e distribuição de filmes e programas televisivos) deu a ideia de criar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS, em inglês) para cuidar da imagem dos estúdios de cinema de Hollywood e resolver problemas trabalhistas. Logo depois de oficializar a Academia em 1927, então foi decidido criar um evento que premiasse os melhores filmes do ano, e dois anos depois, em 1929, se deu a primeira premiação “Academy Award of Meret” (“Prêmio da Academia por Mérito”, em tradução livre). Desde então, todos os anos a premiação passou a acontecer dando méritos para os melhores filmes do ano anterior. Eis que então, o Oscar passou a ser uma premiação que começou a dar destaque para filmes que não tinha apelo popular (os famosos blockbuster), pois era uma chance de produções menos conhecidas chegar no público. Isso obviamente acabou se transformando em algo mais elitista e começou a se criar um nicho de filmes elegiveis para a premiação. Obras épicas sobre guerras, musicais, romances e dramas são os o que chamamos de “filmes oscarizados”, feito na medida para que os acadêmicos os escolham para chegar à premiação. E de fato, a Academia nunca escondeu a preferência por esses gêneros. No fim da década de 1920, existiam 26 membros na Academia. Todos homens brancos. Ao longo dos anos esse número cresceu exponencialmente e os últimos dados divulgados indicam que existam cerca de 8500 pessoas. Até 2012, as estatísticas indicavam que 94% dos membros da Academia eram caucasianos, isto é, brancos, e 77% deles eram homens. Além disso, mais de 50% deles tinham idade superior a 60 anos. Em 2017, com novas admissões, 39% dos novos membros eram mulheres e 30% eram negros. Todos esses dados e estatísticas demonstram apenas uma coisa: que na verdade os filmes premiados são um reflexo daqueles que os escolhem. O mercado é feito por homens brancos, logo, os filmes e gêneros refletiam – e ainda refletem – produções com as quais os acadêmicos se identificam e que os impactam, ou seja, produções com pessoas brancas, com histórias sobre homens são sempre as escolhas mais prováveis.
Fato histórico: os primeiros negros indicados ao Oscar
Para se ter uma ideia, a primeira pessoa negra a ser indicada ao Oscar foi em 1940, onze anos depois da primeira cerimônia. Hattie McDaniel, que fez seu papel em “…E o Vento Levou“, recebeu o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante. Mas apesar de ser um fato histórico, sabia que foi necessário pedir uma permissão especial para que ela entrasse no teatro onde ocorreu a cerimônia, como convidada? Que ela precisou se sentar em uma mesa afastada dos demais atores, ao fundo? Que na época em que tudo isso ocorreu, ainda havia Lei de Segregação, e que existia o Código Hays (um sistema de auto regulação dos estúdios para restabelecer a boa imagem de Hollywood após a enxurrada de escândalos dos anos vinte) que proibia os romances entre brancos e negros e não permitia que estes tivessem acesso a papéis violentos? Ela foi uma grande exceção em meio à regras extremamente rígidas. Naquela época os atores negros ocupavam papéis irrelevantes, e sem créditos: eram motoristas, garçons, figurantes e especialmente empregados. Durante 24 anos nenhuma outra pessoa negra foi premiada até 1964 quando Sidney Poitier, levou o prêmio de Melhor Ator por “Uma Voz nas Sombras“.
O desequilíbrio de igualdade de gênero, raça e etnia
Um estudo feito pela professora Stacy L. Smith da Universidade do Sul da Califórnia de 2016 analisou mais de 21 mil personagens de 400 filmes e séries entre 2014 e 2015, e esse estudo revela que somente 33,5% dos papéis com falas eram de mulheres e apenas 28,3% de pessoas não brancas, mesmo que estes grupos representem 40% da população dos EUA. Então começa o problema; a sociedade no todo não é composta apenas de pessoas brancas, homens no geral. Essa mesma sociedade que é composta por diversidades e minorias começou a exigir novos posicionamentos, e também reconhecimento, e essa exigência bateu às portas da Academia, principalmente da cerimônia em si, que se tornou um dos maiores programas televisivos a partir da década de 1970 e palco para protestos político-sociais. Houveram manifestações sobre a Guerra do Vietnã, a queda do muro de Berlim, o embargo americano à Cuba, aborto, feminismo e, em várias oportunidades, discursos escancarados contra e favor do presidente americano em exercício. Um dos maiores (e inesquecíveis) protestos foi em 2016, onde a campanha #OscarsSoWhite (Oscar muito branco) ganhou força, uma vez que na edição daquele ano não havia nenhum negro indicado nas principais categorias. E há quem diga que realmente “não havia mesmo pelo simples fato de que nenhum negro (ator ou atriz) apareceu numa produção de destaque e com qualidades suficientes para uma indicação.” Mas será que é só uma questão de “aparecer numa produção”? Jeferson De, diretor brasileiro, em uma coletiva de imprensa para o filme “M8- Quando a Morte Socorre a Vida” expressou algo de muita relevância. Em sua fala ele coloca que uma verdadeira representatividade não se dá apenas nas telas. Ter um filme com representatividade é nos bastidores, na cabeça do projeto, ter pessoas das minorias, nas produções executivas, na direção, na lideranças dos departamentos etc. Até o momento apenas 08 diretores negros venceram o Oscar:
Matthew Cherry e Karen Rupert Toliver na categoria de Melhor Curta-Animado por Hair Love; Spike Lee na categoria de Melhor Roteiro Adaptado por Infiltrado na Klan; Barry Jenkins em Melhor Filme por Moonlighte; Steve McQueen em Melhor Filme por 12 anos de Escravidão, inclusive, foi ele o primeiro diretor negro a ganhar nesta categoria. Jordan Peele na categoria de Melhor Roteiro Original por Corra!; Geoffrey Fletcher em Melhor Roteiro Adaptado por Preciosa: Uma História de Esperança Peter Ramsey, em Melhor Animação por Homem-Aranha No Aranhaverso.
Nenhum diretor negro jamais ganhou na categoria de Melhor Direção, e em toda a história do Oscar, apenas seis profissionais afroamericanos foram indicados. Viola Davis em seu discurso ao vencer o Emmy de 2015 expressou que a única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa: as oportunidades. Então fica aqui meu questionamento, em 2016 quando o Oscar foi completamente branco, foi realmente falta de “produção de qualidade” ou falta de oportunidade para que negros estivessem em grandes produções? Em seus 92 anos de existência, menos de 1% dos prêmios da Academia foram para negros, somando todas as categorias. Cerca de 50 vezes apenas o prêmio foi para algum profissional negro. 2019 foi o ano em que mais se premiou negros em toda a história da Academia, dando destaque para filmes como Infiltrado na Klan, Green Book: O Guia, Pantera Negra e Moonlight. 2020 também foi um marco histórico, onde pela primeira vez um filme não-inglês, fora da categoria “Internacional” a vencer o Oscar, sendo Parasita o felizardo. Até os anos 2000, 95% das indicações nas categorias de atuação foram para atores brancos, apenas 5% dos atores e atrizes indicados eram de outros grupos étnicos, como negros, latinos e asiáticos. Na categoria de Melhor Direção, o número de mulheres indicadas é tão pequena que chega a ser vergonhoso: apenas 5 mulheres até 2020 tinham sido indicadas na categoria. O número foi para 7, com esse ano tendo duas indicadas. Só uma ganhou: Kathryn Bigelow, em 2010. E isso é explicativo; as indicações para as categorias são feitas em blocos (diretores só podem ser indicados por diretores), a representatividade fica ainda mais diluída: não adianta ter quase 9 mil membros se as mulheres ou LGBTQ+ não estão presente nos 17 blocos que compõem a Academia – e em números significativos. Ou seja, enquanto não houver mais mulheres dentro de todas as categorias, principalmente as técnicas, as indicações para as minorias ainda serão extremamente escassas. Outro exemplo é a primeira mulher negra a ser indicada na categoria de Melhor Roteiro Adaptado: Dee Rees, em 2018. Nas categorias principais apenas Halle Berry ganhou o Oscar de Melhor Atriz. Em Melhor Atriz Coadjuvantes apenas 08 mulheres negras já ganharam a estatuetas. Viola Davis esse ano se tornou a atriz negra mais indicada ao Oscar, com quatro indicações, sendo duas delas na categoria de Melhor Atriz e ela é a única negra a ter os prêmios tríplice do audiovisual, tendo um Oscar, um Emmy e um Globo de Ouro. Precisa-se ter representatividade em tela, sim, mas a real mudança vai refletir a premiação, quando essa representatividade acontecer no mercado.
Regras de Diversidade no Oscar
Em 2020 a Academia divulgou novas regras de inclusão, que serão válidas a partir de 2024. Muitos jornais noticiaram que “Hollywood caiu sob pressão”. Como mencionado anteriormente, a minoria começou a exigir representatividade. Além de protestos nas ruas, a mídia é uma grande catalizadora para promover ideias, e o Twitter é maior arma. Então enquanto críticas eram lançadas para a indústria, que se recusava a acompanhar as mudanças sociais, a sociedade e as minorias ganharam voz, e astros começaram a usar de palco o próprio Oscar para criticar duramente a Academia. Então, não vejo essas novas regras como “cair sob pressão” e sim como uma obrigação que já deveria ter sido parte dos critérios desde sempre. Quatro novas regras foram criadas e abrangem os quatro pilares que faz com que um filme aconteça; em Tela (elenco); na Produção (direção, produção executiva, roteirista, diretores de departamento – basicamente quem encabeça o projeto); no estúdio (técnicos de produção – câmeras, equipe de edição e efeitos especiais, figurinista, equipe de maquiagem etc.), em oportunidades de treinamento (estágio) e avanço em outros aspectos do desenvolvimento e lançamento do filme (divulgações, marketing etc); e para um filme ser elegível precisa-se cumprir duas das quatro regras. O primeiro dos quatro novos parâmetros exige que o filme tenha um ator de destaque de um grupo racial ou étnico sub-representado (atores principais ou coadjuvantes); ou 30% de seus papéis menores destinados a minorias (participações especiais ou figurantes); ou que aborde questões que envolvem essas comunidades diretamente. O segundo critério estipula que, nos bastidores, figuras de chefia ou membros da equipe técnica sejam provenientes de grupos historicamente desfavorecidos, isso inclui também mulheres, LGBT e deficientes físicos. O terceiro e quarto são sobre respeito à oferta de estágios e treinamento a trabalhadores sub-representados, e diversidade nas equipes de marketing e distribuição do filme. Basicamente, as novas regras exigem um equilíbrio maior entre pessoas brancas e minorias; lembrando que para ser elegível, o filme precisa cumprir apenas duas das novas quatro exigências. E sim, estou me repetindo, porque é importante lembrar que isso de forma alguma afeta a produção de um filme. Não “elimina por completo toda a liberdade criativa e sensorial dos autores“. Isso porque uma história de qualidade e dentro dos nichos “oscarizados” é possível sim, com grandes atores que foge do majoritário. Então ao divulgar essas novas regras, enxergo oportunidades para grandes diretores como Steven Spielberg, de criar histórias espetaculares com homens de grandes talentos e que não precise ser um Tom Hanks por exemplo (entende-se que Tom Hanks é um grande autor, mas não é o único) e pode-se dar oportunidade para atores como Jhon David Washington ou Daniel Kaluuya. Há também a oportunidade de usar mulheres para contar suas histórias. Mais do que isso, vejo nessas regras oportunidades para mulheres como Patty Jenkins ou as recém indicadas ao Oscar 2021, Emerald Fennell e Chloé Zhao de finalmente terem seus trabalhos reconhecidos. E eu devolvo seus questionamentos dizendo, por que não se cria uma história deslumbrante como “1917”, falando sobre as mulheres que também estiveram presentes em muitas guerras? Por que não se conta a história dos soldados que precisaram se afastar e se recuperar da guerra após perderem membros do corpo ou tiveram problemas cognitivos devido a traumas ou lesões causadas pela guerra? Por que não se criam histórias de homens que precisaram esconder sua sexualidade no exército para não ser rechaçado por seus colegas ou superiores? Por que não se criam histórias sobre a sociedade e a exclusão que ela faz de pessoas deficientes? Existe a possibilidade de criar grandes histórias com a minoria. O problema, na verdade, é que essas histórias não representa a maioria. E é por isso que incomoda. Por isso regras como essas são colocadas como “fora de bom senso e agressivas a inteligência”, não é por não ser uma oportunidade de contar novas histórias, mas porque não se fará apenas cinema com aquilo que já é do senso comum (grandes filmes com homens brancos). E volto novamente na questão sobre o cumprimento das regras, que para tornar um filme elegível precisa ser seguido apenas duas das quatro. Ou seja, é possível contar uma história com um elenco majoritariamente branco, desde que nos bastidores da produção e dos departamentos de divulgação e marketing se cumpra a cota de pessoas inclusas dentro das minorias (mulheres, deficiente, LGBTQ+, pessoas não-brancas).
Porque essas mudanças são tão significativas no Oscar?
Bem, o Oscar é um evento que conta com mais de 90 anos de história. Desde sua criação em 1927 e sua primeira cerimônia em 1929, muitas mudanças ocorreram na indústria, mas principalmente na sociedade. E é significativo quando vemos essas mudanças em uma cerimonia tão importante e relevante na arte, porque o cinema é uma forma de entretenimento, sim, mas ele também é um espelho social, além de um grande influenciador para mudanças de pensamentos e criação de novos hábitos. Fato é que o cinema já foi usado muitas vezes ao longo da história para promover ideais, desde sua criação no fim do século XIX. Além de que ele é um indicativo dentro da indústria, ou seja, ele é um balancear financeiro e populacional. Um grande exemplo é “Parasita“, ganhador da edição passada. Acha mesmo que o público de forma geral veria um filme sul-coreano? Não. Mas ele foi bem recepcionado pelo público. Por quê? Porque foi indicado ao Oscar. Isso mostra o quão relevante é a opinião da Academia para o público em geral. Fico pensando que apesar deste ano ter uma grande diversidade no Oscar, com duas mulheres indicada para direção – sendo uma delas não-branca – ou um grande quadro de pessoas negras indicadas, não entendo isso como diversidade, e sim reparação. Com 90 anos de história, precisou-se cair audiência, haver boicotes, movimentos como #MeToo e críticas como o #OscarsoWhite para que houvesse uma pequena movimentação na academia. Está longe de ser ideal, mas ao menos está criando-se exigências de equidade para que no mínimo haja então oportunidades e as minorias consigam se destacar. Fontes: El Pais | Hypeness | Jovem Pan | Adoro Cinema | Info Escola | Mundo Educação | Uol | Rolling Stone | Revista Galileu | A Gazeta | Viola Davis: Discurso Emmy | Entrevista Jeferson De